O QUE TORNA ALGO “FOFO”?
- por Leonardo Aucar
O que torna algo “fofo”?
Apertar, esmagar, amassar. São esses três verbos que vêm na cabeça quando você vê a imagem de um gatinho de olhos grandes ou vídeo de um bebê gargalhando na sua timeline de facebook. E que se danem as pessoas, mas por favor, não deixa o cachorro do filme morrer!
Mas além de gerar “ohhhs” e cliques nas matérias de oportunistas que colocam cãezinhos na chamada do post, porque a maioria das pessoas acha certo grupo de coisas tão irresistível? O que é essa reação e como ela é usada pra fazer você gastar dinheiro? E afinal, estarmos num mundo cada vez mais recheado de fofura está nos afetando?
Faz todo sentido evolutivo:
Para elucidar esse mistério vamos olhar para o lugar mais óbvio: os bebês. Mais especificamente, como é uma tremenda vantagem acharmos bebês tão adoráveis.
Pare pra pensar, o que caracteriza um bebe humano? Ele faz barulho, dá trabalho, é basicamente inútil pra trabalho (tente colocar um para preparar meu imposto de renda), fede ocasionalmente e nos tempos modernos podemos acrescentar bastante caro.
É preciso então que exista algo, pouco racional a princípio, que nos faça querer cuidar dessas coisinhas. Não só isso, algo que faça com que QUALQUER adulto tenha, de forma irrestrita, um interesse de cuidar e proteger um bebê. Percebe como uma espécie que tenha essa atração esquisita e arbitrária pelas características dos seus bebês tem uma enorme vantagem? Não só a próxima geração é protegida pelos pais, qualquer adulto apto passa a ser responsável por cuidar e garantir o futuro da espécie! Os malditos fofuchos funcionam.
Essa atração é a fofura. Uma atenção desarmada, não-sexual e protetiva sobre aqueles seres que apresentam uma série de características básicas que estão presentes nos bebês. Características que começaram a ser identificadas pelo biólogo e etólogo Konrad Lorenz. Lorenz estudou o comportamento animal e traçou o que definimos como “traços de fofura” em meados do século XX, logo após o período em que atuou como psicólogo de alguns campos de concentração nazistas. Provavelmente a origem menos fofa possível.
Feito pra vender:
As pistas são fáceis de reconhecer: uma cabeça redonda e grande proporcionalmente ao corpo, testa larga e proeminente, bochechas grandes e redondas, corpo arredondado com superfícies elásticas e macias e é claro, olhos grandes e abaixo na linha média do rosto. Lembra de alguma coisa?
Provavelmente muita. A verdade é que, mesmo antes da teoria científica já era fácil de perceber que esses traços atraiam as pessoas e que personagens similares a bebês faziam sucesso. Isso instigou especialmente ilustradores e cartunistas a criarem com base neles. Daí a origem do típico bichinho da Disney. Gordinho, de orelhas grandes, olhos gigantes, barriguinha protuberante, bochechonas… praticamente todo filme ou curta animado era (e ainda é) repleto de personagens feitos especialmente para gerar uma resposta automática do seu cérebro, mesmo que os responsáveis não tivessem plena certeza de como tudo funcionava na época.
Com o tempo, e novas tecnologias e ferramentas, a estratégia de adicionar um ar fofo foi crescendo. E quando você passa a poder incorporar as mesmas estratégias no design de produtos com mais facilidade, criando muito além de brinquedos e personagens, nascem todo tipo de produtos que evocam a estética “cute”.
Pense, existe dentro de você um gatilho que te faz automaticamente gostar de certas características e agora somos capazes de reproduzir essas características até num carro ou numa mochila. O potencial para comercializar qualquer tranqueira se tornou infinito. A dificuldade de tornar mesmo marcas frias mais palatáveis foi aumentada de forma exponencial.
O final autoajuda:
Mas, num mundo cercado dessas pequenas delicadezas produzidas em massa, algo parece incomodar. Em meio a bonequinhas da Hello Kitty, gnomos de jardim, carros rosas com cílios no farol (vi um na rua, juro!), milhões de vídeos de gatos no Youtube, as vezes podemos nos sentir sufocados em meio a esse excesso, como se tudo estivesse desconectado realidade, como se precisássemos o tempo todo “amaciar” nosso dia a dia. Estaríamos por assim dizer, viciados em fofura?
Alguns argumentariam dizer que o problema está no uso exagerado. Que, em outras palavras, se a pessoa tiver “bom gosto” ela saberá alcançar um suposto equilíbrio. Mas pessoalmente acho isso besteira. Não só, diria até que é preguiçoso pensar de tal forma.
O real problema está mais abaixo da superfície, ele vai além do uso ser módico ou gritante, da pessoa ser melhor ou pior “instruída” para fazer uma escolha. Como se o problema real fosse menos existencial e mais algo solucionável com um curso de verão sobre história da arte ou design de interiores. Essa lógica é reconfortante, porque tem solução fácil: “Apenas eduque as pessoas oras”!
Mas é falsa.
Na verdade não acho que estejamos realmente ficando dependentes de toda essa fofura, mas acho que o que percebemos é o incomodo quando ele perde seu sentido original. Quando deixa expressão de um sentimento em essência bom e passa a servir de bengala de uma falta.
Quando evocamos uma estética qualquer, seja numa decoração, num personagem ou numa peça de roupa, o que queremos evocar na verdade são as emoções originais que associamos a ela. Gostamos de coisas fofas porque elas nos trazem uma sensação de conforto, carinho e proteção.
O problema surge quando queremos não apenas evocar essas emoções, mas também compensar uma falta delas em nossas vidas. Quando queremos contrastar a dureza, frieza e insegurança de alguma parte de nossas vidas com uma explosão de fofura que nos faça sentir bem.
É esse uso exagerado de uma qualidade boa que nos leva a perder o foco. Esquecer que podemos até transparecer essas qualidades em objetos e símbolos, mas estes não servem para trazê-las às nossas vidas. Aumentar a quantidade de coisas fofas em nossas vidas não vai trazer essas qualidades, porque no final das contas são esses valores que constroem o que percebemos como fofo, não o contrário.
E a verdade é que a solução pra isso não vai vir de um curso, livro ou dessa coluna. Vai vir daquela chata, lenta e frustrante autoanálise.
Agora assiste esse vídeo de um cachorrinho de pernas curtas tentando descer as escadas.